quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Muita pretensão

Eu queria escrever um texto profundo, cheio da minha corriqueira esperança, cheio de um desejo inequívoco de viver muito, intensamente, com tudo e apesar de. Eu queria escrever um texto que devolvesse essa vontade para as pessoas, vontade de lutar, de continuar vivo, de se arriscar. Eu queria escrever algo que fizesse com que alguém mudasse aquilo que sempre achou ser incapaz de mudar. Um texto que convencesse alguém a correr atrás daquilo que sempre quis e nunca teve coragem para tanto. Eu queria escrever um texto revolucionário, que transformasse um pouquinho o mundo ao redor. Um texto que tocasse os corações perdidos, desiludidos, amargurados. Algo que comovesse alguém com o coração endurecido. Algo que fizesse sorrir aquele que perdeu o mundo inteiro numa curva de estrada, numa maca de hospital, numa esquina qualquer. Que fizesse pensar aqueles que não param nenhum segundo sequer para refletir. Eu queria escrever de um jeito que fizesse alguém mais feliz, mais forte, mais persevarante... De um jeito que fizesse com que aquele que corre contra o tempo diminuísse o ritmo e ficasse um pouco mais com seus. Um texto que fizesse com que casais separados por abismos de mágoa e dor dessem as mãos. Um texto que fizesse com que irmãos que se perderam nos redemoinhos da vida se perdoassem. Algo capaz de teletransportar alguém distante para junto de quem sente sua falta pesadamente. Um texto capaz de diminuir distâncias, fechar buracos, soterras os fundos de poços, secar todas as lágrimas (ou, pelo menos, deixar permanecer apenas as de felicidade). Um texto só, mas que fizesse com que cada pessoa, ao lê-lo, levantasse de seu comodismo e inação e percebesse que a gente não está aqui para pagar contas, ou acumular riquezas, ou engordar a conta bancária, ou viajar o mundo inteiro em 90 dias, ou comprar helicóptero e jatinho e camaro amarelo... Não! A gente está aqui para amar e aprender. Um texto só e que fosse capaz de fazer um Ano Novo inesquecível para cada um e para todos.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

E o mundo não se acabou


"Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar
Por causa disso, minha gente lá de casa começou a rezar
E até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada
Por causa disso, nessa noite, lá no morro não se fez batucada
 
Acreditei nessa conversa mole
Pensei que o mundo ia se acabar
E fui tratando de me despedir
e, sem demora, fui tratando de aproveitar
Beijei a boca de quem não devia
Peguei na mão de quem não conhecia
Dancei um samba em traje de maiô
E o tal do mundo não se acabou
 
Chamei um gajo com quem não me dava
E perdoei a sua ingratidão
e festejando o acontecimento
gastei com ele mais de quinhentão
Agora soube que o gajo anda
dizendo coisa que não se passou
Vai ter barulho, vai ter confusão
porque o mundo não se acabou"

 

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O que você faria se só te restasse esse dia?

Às vésperas de um fim de mundo improvável, eu me pergunto à la musica do Lenine, o que faria se só restasse esse dia. Se o mundo fosse acabar, me diz o que você faria. E, poxa, me angustio em saber que não visitei todos os lugares e não li todos os livros que queria ler. Perdi muito tempo fazendo coisas por obrigação, porque tinha que, isso é um fato. Perdi muito tempo com burocracia e com o que os outros pensariam de mim se isso ou aquilo. Acho que se o mundo fosse acabar, eu iria fazer as compras estapafúrdias que não fiz por prudência, por medo de não fechar as contas do mês. Eu pegaria um avião com os meninos do meu lado. Ou não. Quem sabe, correria para beira do mar para ver o sol, para mergulhar, para comer patonas de caranguejo até doer, até dar dor de barriga. Com certeza, faria muitas ligações para que algumas pessoas soubessem o quanto sou grata e feliz por tê-las, quem sabe correria ao encontro de algumas delas, as que estivessem em um tempo-espaço viável de serem encontradas. Abraçaria muito e repetiria aos meus pequenos o que digo todos os dias: Você sabia que eu te amo? Muitoooo! Enormeeee! Maior que o universo inteiro! E tentaria fazê-los tranquilos, sem perceber o alvoroço todo que o último dia da humanidade causaria no mundo. Reproduziria para os lá de casa o quanto eu tenho sorte de ter uma família doida, doida, mas muito legal e companheira. Diria aos amigos mais queridos o quanto foi incrível dividir essa trajetória curta e emocionante com eles. Diria para as pessoas de minha vida aquilo que tenho feito há algum tempo nessa verborragia pública: que são eles que importaram para mim e que valeu a pena. Nos últimos instantes, eu seguraria as mãos dos meus filhos e esperaria pelo clarão com os olhos bem abertos (eu imagino que vá ter um clarão quando o mundo for se acabar) e no último instante de verdade, fecharia os olhos e pensaria em como vai ser bom essa família descompleta reencontrar o seu membro que já está do lado de lá.
 
E você? O que você faria?

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Não é meu, mas poderia ser...

Eu quis sonhar com um amor perfeito. Como aqueles que brilham nos filmes, que nos fazem suspirar com os livros, que nos encantam nas canções.

Aqueles que cintilam azul e tem cheiro de jasmim, brisa de pétalas e reflexo de sol. Nos quais todo dia é sábado e todo sábado é verão.

Quis traçar destinos sonhados, roteiros amarradinhos, cenas sem correções. Dessas nas quais destilar palavras ao pé do ouvido e poses à meia luz proporcionariam a permanência de sorrisos frouxos e prazeres particulares.

Pensava esse tal amor como as fotografias bonitas. Nas quais não há espaço para cenários ruins, sombras ou a necessidade de efeitos especiais. Só o amor naturalmente brilhando calmaria e destilando felicidade. Amor de permanentes mãos dadas e corações grudados, de voz suave e confissões.

Um amor forte e perecível a falas tortas, cortes e curativos. Resistente a tudo, imune a todos e às nossas próprias confusões.

Eu quis. Eu quis um amor assim. Quis acreditar que amor perfeito, amor certinho, amor arrumadinho é aquele que só diz sim.

Mas não. Amor de verdade não é assim. Eu estava errada e talvez você também esteja.

Amor também diz não. Amor também tem discordâncias, desfoques, textos revisados e cenas refeitas. Amor também fica amarrotado, mal-humorado, descabelado e sai mal na foto.

Não é isento a tudo como idealizamos. Não vamos criar ilusões. Amor também sangra, também se perde. Precisa ser regado, vigiado, refeito, costurado, remendado se for preciso, se nos fizer feliz.

O amor tem dias cinza, tempo ruim, trovoada e temporal. Tem sorriso e chororô. Tem banho de chuva e maremoto. Tem bem-me-quer e tô-de-mal. Tem bagunça e mal-entendido. Tem mania e tem pirraça.

Mas o amor, o amor mais bonito, é também tão maior que o imperfeito se refaz. Os defeitos não sobressaem e o mau jeito se ajeita e transforma em paz o que tinha cara de ser vendaval.

O amor constrói e é construção. Tão lindo que não precisa que se entenda. Tão legítimo que não carece aceitação. Tão bem vindo que levanta morada.

Esse amor, o mais bonito, nem precisa ser infinito, suas únicas premissas são: que seja recíproco e que nos faça sorrir. Isso sim, que seja pra sempre.

(Yohana San fer)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Reflexão

A vida não é o que acontece nesse espaço limitado de quatro linhas retas. A vida não é o que está exposto na rede social. A vida não é aquilo que as pessoas conseguem saber com cliques. Acredite em mim, o que é importante até aparece lá, mas o que é verdadeiro existe aqui fora, no mundo real. A vida é aquilo que acontece enquanto você curte e comenta. Não abro mão de encontros, abraços beeem apertados, olhos nos olhos e beijos estalados... Não abro mão de viver de verdade. O que está exposto aqui e lá é apenas uma janela da frente da casa. Tem muito mais coisa, muito mais vãos, muito mais cômodos em que só aqueles que são convidados a entrar têm o (des?)prazer de conhecer. Há porões que quase ninguém adentra, há sótãos com belas vistas, há um quartinho nos fundos que é só meu. Não adianta. Essa exposição toda não substitui o que deveria acontecer de verdade. Sim, diminui as distâncias, facilita o contato, mas não dá para ser só assim. Nesse ponto, estou de acordo com o Gabito.
 
Revolução?


Voltando pra casa no engarrafamento das dezenove horas. Um ônibus emparelha ao lado do meu. Conto as janelas, são nove pessoas, três cochilam, uma analisa o leva-e-traz da calçada. As outras cinco fuçam em seus telefones. Curtem, compartilham, atualizam, comunicam. Estamos na era revolucionária. Geração fone de ouvido – o poder da invisibilidade e do autismo opcional.

Desço na parada do shopping, preciso de uma camisa nova e de um presente. As luzes de Natal me dão engulhos. Preciso ser rápido, e o caminhar não flui. Preciso ficar desviando das garotas com suas caras enfiadas nos seus espertofones, lendo recados, comunicando, com medo de estar perdendo alguma coisa. Que filme você nunca viu? Que festa a gente nunca foi? Quem comeu quem? Quem caiu na rede? O que nós tanto temos a perder?

Vão dizer. Não é só um site, é um encurtador de distâncias. Mas eu não posso sentir o cheiro de talco da minha vó que mora longe, nem o som dela arrastando as sandálias antes de ir dormir. Um avatar e um retrato na lápide dá na mesma. Meus poucos e caros amigos, onde estão? Não faço questão de vê-los, qual a motivação? Sinto que já sei tudo o que eu preciso saber sobre eles. Me esforço, proponho um drinque e um papo mais tarde. Mais tarde, quando? No mês? Ainda em 2012? HOJE? Não dá. E se eu mandar instalar um botão bem no meio da minha cara? Eu fico mais interessante?

O que era pra ser uma rede social virou nada mais que um comparador de vidas. Olha eu, em frente à Torre Eiffel. Olha o meu novo corte de cabelo. Eu curto essa marca de cerveja. Estou em um relacionamento sério. Eu não presto. Eu sou legal. Chove e eu me sinto tão só. Queria que você fosse tão feliz quanto eu sou. Troquei de emprego. Troquei de torradeira. Troquei de sexo. O mundo entre aspas. O universo conspira ao meu pavor.

Sorria, você está se autofilmando. Todo dia tem a hora da sessão de fotografias. Ensaio para a Caras e as bocas e os decotes. Ah, mas uma foto faz de um momento inesquecível. Puxa, que porcaria de memória é essa sua. Postar é viver. Agora, a participação do internauta. Nunca foi tão fácil falar. Era a desmassificação da cultura, agora é só uma extensão do que passa na televisão. Comentarista de novela, esse mala sou eu.

Me escuta. Você precisa desse aparelho novo, o seu método de se importar com seus camaradinhas está ultrapassado, amigo. Pois é. Ninguém mais atravessa a cidade para encontrar alguém. Assine o nosso plano e pague para falar. Com apenas 59,90 mensais você pode ter um milhão de amigos e frequentar salas de bate-papo onde não cobramos 10 por cento, não tem goteira e ninguém corre risco de contrair herpes. Amigo é coisa pra se guardar na barra lateral, dentro da tela do computador.

Agora é sério. Você precisa desse telefone, vai por mim. Ele é três gigas mais smart do que você. Olha como são jovens, felizes e saltitantes as pessoas no meu comercial. Com mais um centavo você leva esse exclusivo aplicativo que simula um beijo de língua com qualquer pessoa que esteja na Romênia.

Você precisa de uma internet ilimitada, senão como vai protestar a favor de índios e contra a carne vermelha? Vamos lá, todos nós, rumo ao senado federal derrubar a corrupção, caminhando e cantando e seguindo no Twitter. Vamos tomar as ruas pelo Google Street View, cada um na sua. Nunca fomos tão livres no meio de tantas grades. Ué, você não queria mudar o mundo? Assine aqui e fique por dentro de nossas grandes novidades.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Rifando

::: Rifa-se um coração (quase novo) :::
Clarice Lispector

Rifa-se um coração quase novo.
Um coração idealista.
Um coração como poucos.
Um coração à moda antiga.
Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário.
Rifa-se um coração que na realidade
está um pouco usado, meio calejado, muito machucado
e que teima em alimentar sonhos, e cultivar ilusões.
Um pouco inconseqüente
que nunca desiste de acreditar nas pessoas.
Um leviano e precipitado,
coração que acha que Tim Maia estava certo
quando escreveu... "não quero dinheiro,
eu quero amor sincero, é isso que eu espero...".
Um idealista...
Um verdadeiro sonhador...
Rifa-se um coração que nunca aprende.
Que não endurece,
e mantém sempre viva a esperança de ser feliz,
sendo simples e natural.
Um coração insensato que comanda o racional
sendo louco o suficiente para se apaixonar.
Um furioso suicida que vive procurando relações
e emoções verdadeiras.
Rifa-se um coração que insiste
em cometer sempre os mesmos erros.

Esse coração que erra, briga, se expõe.
Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões.
Sai do sério e, às vezes revê suas posições
arrependido de palavras e gestos.
Este coração tantas vezes incompreendido.
Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo.
Rifa-se este desequilibrado emocional que,
abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas,
mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto.
Um coração para ser alugado,
ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes.
Um órgão abestado
indicado apenas para quem quer viver intensamente e,
contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida
matando o tempo, defendendo-se das emoções.
Rifa-se um coração tão inocente
que se mostra sem armaduras e deixa louco o seu usuário.
Um coração que quando parar de bater
ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro na hora da prestação de contas:
" O Senhor poder conferir", eu fiz tudo certo,
só errei quando coloquei sentimento.
Só fiz bobagens e me dei mal
quando ouvi este louco coração de criança
que insiste em não endurecer e, se recusa a envelhecer".
Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro
que tenha um pouco mais de juízo.
Um órgão mais fiel ao seu usuário.
Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga.
Um coração que não seja tão inconseqüente.
Rifa-se um coração cego, surdo e mudo,
mas que incomoda um bocado.
Um verdadeiro caçador de aventuras que,
ainda não foi adotado, provavelmente,
por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais,
por não querer perder o estilo.
Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree.
Um simples coração humano.
Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado.
Um modelo cheio de defeitos que,
mesmo estando fora do mercado,
faz questão de não se modernizar, mas vez por outra,
constrange o corpo que o domina.
Um velho coração que convence seu usuário
a publicar seus segredos e, a ter a petulância
de se aventurar como poeta.

Marcele Caroline

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A força do tempo

"Vai passar. Não é um conselho alegre. Não me tranquiliza saber que terminaremos. É uma advertência que me desespera. Não gostaria que passasse.

Eles não entendem que não sofro porque o amor acabou, sofro para não acabar o amor.

Sou contrário ao término, me oponho à nossa extinção. Sou o único que resiste contra o fim de nossa história.

Eu não quero que passe. Mas sei que vai passar.

Sei que o amor vai morrer desidratado, faminto, por absoluta falta de cuidado. Vai passar, infelizmente.

Tudo o que a gente construiu junto vai passar. Tudo o que a gente idealizou, inventou e armou vai passar.

O lugar no peito que recebia seu rosto para dormir vai passar. Nossos apelidos, nossos chamados, nossas piadas vão passar.

Por mais que acredite que seja impossível, irei namorar de novo, me apaixonar, casar e rir docemente sem culpa. Vai passar.

Não superamos os medos, sucumbimos na segunda crise, desistimos de insistir.

Somos fracos, somos influenciáveis, somos tolos.

Foi muita incompetência de nossa parte.

Não seremos inesquecíveis.

Vai passar."

(Carpinejar)

 
E é tolo, é clichê e é juvenil. É dolorido, é angustiante e, em alguns momentos, é sufocante sentir. É inevitável doer e deixar as lágrimas caírem e, de vez em quando, a gente acaba se traindo e se pega elaborando estratégias para um encontro casual e desculpas para um telefonema. Até que a racionalidade bate na nossa cara e chama para a realidade cruel de que o que se tem que fazer é deixar o tempo correr, a ferida fechar, as lágrimas secarem. Em um e noutro momento, a gente se pega pensando que ninguém vai combinar tanto com a gente, que ninguém vai assumir nossa história e se encaixar nela tão perfeitamente, que ninguém mais vai fazer sentido. A gente olha para o mundo com preguiça de viver, com desânimo, sem a mínima paciência para tanta gente estúpida e sem profundidade alguma, sem papos animados de madrugada, sem nada que lhe seja minimamente atraente, sem ter com quem dividir o jornal nacional pessoal, sem ter um ombro para encostar a cabeça. Não é a toa que deilusão rima com solidão.
 
Aí, o tempo passa, viram as folhas do calendário. Os dias viram semanas, as semanas viram meses, a vida segue com seus afazeres, sua rotina louca, seu correr alheio àquilo tudo que derruba e que levanta a gente. Um dia, numa conversa trivial, com uma pessoa antiga na sua vida, você olha para a história toda que não queria deixar passar e, vejam só, passou. Olha para a vida que se leva e pensa: eu me acostumei. Não dói mais, não pesa, não comprime mais o peito. Você sabia que passaria, porque sobreviveu a vendavais fortíssimos. Você reconhece a paz e a serenidade do amanhecer depois da tempestade. E, num misto de surpresa e incredulidade, percebe que há faíscas agora no fundo do olhar, há um friozinho na barriga, há um suspiro aliviado, há uma esperança que pinta mais bonito o correr dos dias. Você percebe então que nem foi tão difícil assim. Abre as portas de si para redescobrir a alegria de viver e para dar vazão às delícias de todas as possibilidades que se jogam no seu caminho.
 
Você nem queria deixar passar. Você nem queria que passasse, mas passou.
 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Carta ao Papai Noel - 2012

Querido Papai Noel,
 
Eu sei, faz tempo que não me correspondo com você. Ano passado eu nem pedi nada e, no ano anterior, eu só queria ser poupada dos vendavais, dos terremotos, da tempestade... Sim, eu sei que não tenho sido uma menina muito atenciosa, mas eu tenho tentado manter a magia, o espírito e os sonhos nos meus pequenos. Eles até já escreveram suas cartinhas. Isso deve contar alguns pontos a favor, né, não?
 
A vida mudou tanto, né? Quando eu paro para pensar nos últimos três anos, eu sinto que eu envelheci, endureci, cresci, amadureci, pero sin perder la ternura jamás. Eu ainda sonho tanto, Papai Noel, com viagens, com finais felizes, com músicas escritas para mim, com mais tempo para os pequenos... Eu ainda tenho tanta coisa para fazer nessa minha vidinha pequeno-burguesa-mãe-de-família... Não quero aqui relatar os perrengues e provações do ano que passou. Não quero mostrar meu boletim com as notas que tirei pelas minhas lutas diárias, pelos meus rebolations, pela minha tentativa ininterrupta, quase insana, de ser feliz. O que eu quero é fazer um pedido, um só. Nada caro, nada pesado, nada que o senhor não possa dar conta.
 
Olha só, eu já entendi que a vida é doida, cheia de altos e baixos, cheia de surpresas deliciosas e de fundos de poço. Acho que já aprendi a lição de que, por aqui, num tem esse negócio de quota de sofrimento e de quota de alegria, não. Tem momentos, uns massa e uns terríveis e a gente vai de lá pra cá, revezando essas coisas todas. Eu aprendi que, nem adianta querer muito, não vai dar para controlar tudo. Na verdade, o que se controla é um mínimo existencial, que só serve para uma falsa ilusão de que decidimos alguma coisa e que temos ingerência sobre algo.
 
Diante disso tudo, o que eu quero pedir é saúde para aguentar os trancos e inteligência para não perder o timing das coisas. Alguma ajuda divina para me fazer perceber uma oportunidade incrível e para me livrar das ciladas todas que se impõem no caminho. Bom senso e um pouco de sexto sentido, a fé que me move e um tanto de esperança renovada de que o melhor está mesmo ali onde a minha vista não alcança. Isso é tudo, Papai Noel. Nada material, tudo subjetivo. Conto com sua ajuda.
 
Um abraço beeeeem apertado, como os que costumo dar aos que quero muuuuiiiito bem.
 
Marcele

domingo, 2 de dezembro de 2012

Metáfora

"Sopra o vento leste e encrespa o mar...
Vem a noite e cai seu manto escuro devagar..."
(Marisa Monte)
 
 
Uma casinha abandonada. Ninguém para habitá-la, limpá-la, mantê-la, conservá-la ou embelezá-la. Uma casinha acumulando a poeira do correr dos dias sem ninguém por perto. Um imóvel docemente construído com todos os sonhos para onde se queria mudar. Um imóvel projetado para ser castelo e que, a bem da verdade, nunca passou de uma casinha simples.
 
Um imóvel que se deteriora a olhos vistos: infiltrações vão apagando cada uma das exclusividades e dos pequenos detalhes que construíram e selaram cada tijolo ali plantado. Infiltrações estas que, simplesmente por serem mais recentes, suplantam o branco puríssimo das paredes e mancham a memória que se queria preservar.
 
Uma casinha abandonada, que perde, a cada tictac do relógio, muito do ar bucólico e lúdico que tinha no começo, perde muito do ideal que moveu seu construtor, perde para sempre a sensação de lugar encantado, destino, ponto de chegada. Uma casinha abandonada perecendo a céu aberto, desmanchando-se na solidão, no silêncio, no vazio, no nada e no nunca mais.
 
Uma casinha abandonada, em ruínas, fazendo força Deus-sabe-lá-porque para ficar em pé,  é tudo o que restou.